Austeridade
- O que ainda pode acontecer aos subsídios de férias e de Natal
O acórdão do Tribunal
Constitucional (TC) põe em causa, desde já, o défice orçamental para 2013. Sem
os 2 mil milhões de euros do 13.º e 14.º mês dos funcionários públicos e
pensionistas, a meta dos 3% do PIB fica comprometida. A alternativa pode ser o
corte do subsídio de Natal, no público e no privado.
"Não me tenho cansado de
dizer: é verdade que Portugal já atingiu um nível insuportável de carga
fiscal." A frase, proferida há escassos meses pelo primeiro-ministro,
poderá em breve entrar para o (triste) anedotário nacional, se o recente acórdão
do Tribunal Constitucional fizer com que o Governo estenda aos trabalhadores do
setor privado o corte no subsídio de Natal, já a partir deste ano. Economistas
e políticos concordam que essa seria a solução mais fácil, mas o alargamento
dos prazos para a redução do défice orçamental é uma hipótese que também ganha
consistência. As alternativas vão ser estudadas nos próximos meses, discutidas
com a troika durante a sua quinta visita a Portugal, agendada para os últimos
dias de agosto e, de seguida, incluídas na proposta de Orçamento do Estado para
2013. Até lá, fique a conhecer as possibilidades em aberto e comece a (re)
fazer as contas à vida: Corte do subsídio de Natal, no público e no privado
Parece ser a solução de mais
fácil execução. Basta replicar a sobretaxa extraordinária de IRS aplicada a
metade do subsídio de Natal no final de 2011 - a todas as pensões e ordenados
acima do salário mínimo de 485 euros, tanto no setor público como no privado -,
mas desta vez sobre a totalidade do valor remanescente, de forma a alcançar 2
mil milhões de euros (ou 1,2% do PIB). No ano passado, a sobretaxa calculada
sobre metade do 13.º mês rendeu aos cofres públicos 1 025 milhões de euros. O
economista Silva Lopes considerou esta solução como "a mais conveniente,
embora do ponto de vista político possa ser a mais difícil". Lançar novos
impostos não vai agradar aos contribuintes nem, provavelmente, à troika, que
tem defendido medidas de caráter estrutural para reduzir a despesa pública. E
nem à oposição.
"Uma decisão destas é política e da
responsabilidade de quem a toma. Não é da responsabilidade do Tribunal
Constitucional (TC) nem dos deputados que pediram a fiscalização da
constitucionalidade do corte dos subsídios na Função Pública", realça
Vitalino Canas, um dos 17 deputados do PS que, juntamente com oito do Bloco de
Esquerda, assinaram o pedido ao TC. No auge da irritação com o TC, Pedro Passos
Coelho admitiu uma medida que "seja alargada a outros portugueses",
assustando os trabalhadores do privado. "O primeiro-ministro reagiu como
um menino a quem tiraram o brinquedo", conclui Vitalino Canas.
Corte do 13.º e 14.º mês para
todos
Por enquanto, nada indica que
o cenário mais radical venha a ser necessário, mas a derrapagem orçamental
deste ano, estimada em 2 mil milhões de euros, pode obrigar o Governo a estudar
essa hipótese, solucionando dois problemas de uma assentada. Com o confisco
integral dos subsídios de férias e de Natal, dos trabalhadores do público e do
privado e dos pensionistas, o Estado arrecadaria um total de 4 mil milhões de
euros (equivalente a 2,4% do PIB). Mas o descontentamento social subiria de tom
e o consumo abrandaria ainda mais, numa economia em recessão. João Ferreira do
Amaral, economista, alertou já para a previsível desaceleração das exportações
e aumento do desemprego neste segundo semestre do ano. E o corte do 13.º e 14.º
mês para todos - público, privado e pensionistas -, é daquelas decisões que
podem fazer perder eleições.
Extensão do prazo de redução
do défice
Pedir mais um ou dois anos
para cumprir as metas do défice orçamental (4,5% do PIB neste ano e 3% no
próximo) é, desde há muito tempo, defendido por setores alargados da sociedade
portuguesa. Permitiria aliviar o esforço de ajustamento orçamental e daria novo
fôlego à recuperação económica. Mas, para Silva Lopes, "alargar prazos sem
receber mais dinheiro da troika não é solução". "As exportações estão
a crescer menos que o previsto e a confiança dos mercados ainda não foi
restaurada", diz o economista, para quem "a austeridade não pode ser
aliviada sem mais dinheiro". Impõe-se, por isso, uma renegociação do
programa de ajustamento com Bruxelas - como a Grécia está a fazer - e um
eventual reforço do empréstimo de 78 mil milhões de euros.
O líder da oposição, António
José Seguro, há muito que vem pedindo uma nova negociação com a troika, de
forma a que Portugal possa atingir os objetivos do défice apenas em 2014 e não
em 2013, como previsto. Mas, assim, dificilmente Portugal poderia regressar aos
mercados já no próximo ano, ou seja, continuaria a precisar do dinheiro do FMI
e da União Europeia para se financiar. Ora, "mais tempo e mais dinheiro
seria desastroso", considera o economista José Maria Castro Caldas, acenando
com o fantasma da Grécia. Francisco Louçã, do BE, concorda. "Se pedirmos
mais dois anos vamos precisar de mais 50 mil milhões de euros. Prolongamos a
austeridade e a agonia, em vez de romper com ela", considera.
Reestruturação da dívida
A solução, para o líder do BE,
passa pela reestruturação da dívida. "Anulando a parte da dívida que
corresponde a juros excessivos e que diz respeito aos credores privados e à
troika e protegendo os fundos de pensões dos trabalhadores, como o fundo de
capitalização da Segurança Social, que detém uma parte da dívida
portuguesa", explica.
No entanto, a reestruturação
da dívida é um cenário que não passará pela cabeça do chefe do Governo. Mas
pode haver uma aproximação à posição do PS. Esta semana, em Bruxelas, o ministro
das Finanças, Vítor Gaspar, admitiu, pela primeira vez, que, na próxima visita
da troika, no final de agosto, se irá falar em "melhorar e favorecer o
processo de ajustamento". Quer isto dizer que o Executivo está disposto a
pedir mais tempo? Esta seria também uma forma de evitar mais crispação dentro
da coligação que suporta o Governo, uma vez que ao CDS/PP de Paulo Portas não
agrada a ideia de se aumentarem mais os impostos nem de se cortarem, de forma
generalizada, os subsídios de férias e de Natal dos portugueses. "O nível
de impostos já atingiu o seu limite", escreveu Portas aos militantes do
seu partido.
Aumento generalizado de
impostos (IVA, IRS...)
A quebra na receita fiscal
desaconselha este caminho. A receita do IVA está abaixo das previsões, o consumo
em queda livre, a poupança em retração e a fuga aos impostos e a evasão fiscal
ameaçam disparar. Taxando-se ainda mais os rendimentos das famílias, o consumo
iria retrair-se e a recessão agravar-se. Voltar a aumentar o IVA ou o IRS
seria, além de impopular, contraproducente. Para o economista João Cantiga
Esteves, a execução orçamental de Janeiro a maio de 2012 mostra que Portugal já
ultrapassou o limite da curva de Laffer, segundo a qual um aumento das taxas a
partir de certo ponto faz com que a receita dos impostos diminua, em vez de
crescer. "Mais impostos é sinónimo de mais desemprego", garante Silva
Lopes, embora sublinhando que "há ainda espaço para mexer nas pensões de
reforma mais altas".
Lançamento de um imposto sobre
os ricos
A criação de um imposto único,
com caráter excecional, de 4% sobre a riqueza líquida dos portugueses foi
recentemente proposta pelo ex-ministro Miguel Cadilhe, como medida destinada a
reduzir a dívida pública. Mas a ideia ganhou adeptos, inclusive entre os
partidos de esquerda, que defendem agora a sua aplicação para fins de
equilíbrio orçamental. O aumento da taxa liberatória (21,5%) sobre os
rendimentos de capital (dividendos, juros, etc.) é outra das medidas em cima da
mesa, embora acentue os riscos de fuga de capitais para o exterior.
Despedimentos no Estado
O próprio ministro das
Finanças, Vítor Gaspar, garantiu já que o despedimento de 50 mil a 100 mil
funcionários públicos é uma hipótese "inexequível", recordando que as
rescisões amigáveis de contratos pressupõem "compensações". Assim,
"o efeito imediato", conseguido através da redução da despesa
pública, "não existiria", como referiu na altura o governante. Para
além disso, a medida acentua os desequilíbrios sociais. O setor privado já
mostrou que não tem capacidade para absorver estes trabalhadores e a taxa de
desemprego subiria ainda mais. Um drama social e um novo peso para a Segurança
Social no que diz respeito à despesa com o subsídio de desemprego. Mas reduzir
o número de funcionários públicos é uma medida de caráter estrutural que, aos
olhos da troika, tem o mérito de cortar despesa.
E este ano? Como vai ser?
Se, para 2013, são necessários
2 mil milhões de euros devido ao facto de o Tribunal Constitucional ter vetado
o corte dos subsídios apenas para a Função Pública e para os pensionistas, já
este ano, 2012, precisa-se de outros 2 mil milhões. É este o montante do buraco
que resulta da execução orçamental até maio, devido à diminuição das receitas
dos impostos, das contribuições sociais e ao aumento da despesa com os juros da
dívida pública e com o subsídio de desemprego. Embora o 13.º e 14.º mês dos
funcionários públicos e pensionistas sejam cortados este ano, o buraco
mantém-se. Para o tapar, o Governo pode valer-se, de novo, da sobretaxa
extraordinária sobre o subsídio de Natal dos privados, já em Dezembro, mas há
outras soluções previstas, aliás, no memorando com a troika, como a
renegociação das Parcerias Público Privadas ou um corte mais aprofundado nas
rendas excessivas da energia. São medidas que poupam dinheiro ao Estado e em
que o Governo tem andado a passo de caracol. "Os interesses são muito
fortes", avisa o economista João Cantiga Esteves, para quem ainda há muito
que fazer do lado da despesa. "O Estado cresceu tanto, tem tantos
institutos e fundações que já ninguém se entende", remata.
Fonte: Sapo
Nenhum comentário:
Postar um comentário